domingo, 23 de janeiro de 2022

Mostra Tiradentes 2022: QUAL É A GRANDEZA? (2021, de Marcus Curvelo)


Para quem acostumou-se à associação sardônica entre este cineasta baiano e o alter-ego Joder, este mais recente curta-metragem surpreende pela guinada actancial e pela potente adição de melancolia: o protagonista é Murilo Sampaio (amigo íntimo do diretor), que interpreta Isaías, um realizador decepcionado com as frustrações acumuladas de sua profissão, de modo que resolve doar os DVDs com seus filmes ao moradores de uma ilha turística. A estrutura aparentemente documental é subvertida por inúmeras camadas de interpretação: Marcus Curvelo dubla todas as pessoas com quem Isaías interage, até chegar ao cúmulo de dublar o próprio Isaías, não mais reconhecido como tal - que vende água de côco na praia, mas não sabe sequer como abrir este fruto. Ou sabe, mas não quer? As dúvidas são multiplicadas nos jogos especulares do diretor, que finalmente pronuncia o próprio nome, quando recita as cláusulas informais do contrato de colaboração com os entrevistados, em que fica estabelecido que não serão reproduzidas as falas explícitas contra o (des)governo bolsonarista... 


Num exercício de genialidade contornado por sumo alquebramento - realçado pela trilha musical com notas tristemente renitentes, além de versos cantarolados pelo diretor, que lamenta "não poder lavar o coração" -, diversas questões são abordadas nos menos de treze minutos do curta-metragem: desde a ausência de financiamentos ministeriais aos artistas até o violento processo de especulação imobiliária na ilha. Marcus Curvelo desvela uma série de golpes reflexivos que realçam o questionamento titular: a quem serve desistir? Felizmente, para os admiradores deste jovem e inteligentíssimo realizador, ele confirma que "é do Axé e, portanto, não desiste". Ele fala sobre si, ele está representando, há mais ficção que metalinguagem? Tudo se mistura brilhantemente nesta aula de superposição merencória e exortação à colaboração entre amigos (alguns dos filmes que Isaías exibe são dirigidos por Ramon Coutinho, em verdade). Que Marcus Curvelo siga vivo, resistente, firme e valorizando a beleza física de Murilo Sampaio em suas produções. Se houver futuro possível neste Brasil em que (sobre)vivemos atualmente, seus filmes funcionam como galhardos testemunhos de autoafirmação desiludida. Parabéns! 



Wesley Pereira de Castro. 
 

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