O fato de o diretor Ramesh Yanthra ser proveniente dos documentários faz com que ele dedique parte considerável da metragem de sua estréia ficcional à abordagem descritiva do cotidiano de Muthu (Prabhakaran Jayaraman) e seus parentes: como o enredo condiz com a época do Pongal - festival que ocorre no Sul da Índia, no início de cada ano, no qual, por quatro dias, as pessoas fazem oferendas aos deuses familiares - , esta cerimônia é mostrada duas vezes, em dois anos consecutivos. Numa delas, há fartura, decorrente do labor rural; na outra, a miséria induzida pela credulidade do protagonista em relação a uma empresa fraudulenta, que promete-lhe um trator enquanto prêmio, após o pagamento vultoso de algo similar a um consórcio. Entre uma e outra situação, a vida, que persiste.
Se o cineasta é mui exitoso na reprodução dos rituais religiosos, nas idas de Muthu à feira, nas suas atividades enquanto agricultor e na maneira afetiva como ele se relaciona com a esposa, com o filho, com a mãe e com o sogro, há também espaço, no realismo da proposta cinematográfica, para uma cena de sonho (que metonimiza a extrema ansiedade do protagonista quanto ao recebimento de seu prêmio - afinal, enganoso), para uma contundente denúncia contra a invasão das tecnologias ocidentais e fraudes multinacionais (a mãe de Muthu reclama que, desde que seu filho comprou um telefone celular, coisas ruis começaram a acontecer) e para canções que sintetizam os eventos ocorridos, na plangente voz da mãe de Muthu, interpretada por Pillaiyarpatti Jayalakshmi.
Aceitando o viés dramático, mas evitando o sensacionalismo caro a produções que abordam o malogro de indivíduos através do registro progressivamente sádico, este realizador demonstra um carinho legítimo por seu personagem principal, ficando ao seu lado até o derradeiro momento, quando a mudança de protagonismo para a esposa Selvi (Sweetha Pradhap) - que passa a conduzir o trator, a contragosto - desencadeia mais uma canção por parte da senhora idosa, entoada entre o lamento e a valorização dos esforços de sua nora. O modo persistente como o toque do aparelho telefônico de Muthu invade a banda sonora, nas diversas vezes em que os funcionários do banco cobram as prestações atrasadas, é magistralmente associado à corrosão emocional embutida naqueles acordes eletrônicos, que ressurgem nos créditos finais. Temos, aqui, uma grata surpresa indiana hodierna!
Wesley Pereira de Castro.
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