terça-feira, 22 de outubro de 2024

PERMANÊNCIA EM LUGAR NENHUM (2024, de Tsai Ming-Liang)

O breve plano do sol em meio às nuvens, num céu azulado, na abertura deste filme, assume o flerte com o cinema estrutural, ainda que as intenções do diretor taiwanês Tsai Ming-Liang, nesta radical série de filmes protagonizados por um monge que caminha de forma extremamente lenta (vivido por seu colaborador habitual Lee Kang-Sheng), são bem específicas. Tão particulares que permanecem herméticas ao desfecho da sessão: se, antes, o diretor abordava a incomunicabilidade entre os indivíduos, na solidão das metrópoles asiáticas, agora ele adere à completa falta de diálogos, em que duas figuras humanas são flagradas passeando por diferentes paisagens estadunidenses, sem nunca se encontrarem... 


Um destes dois homens, conforme já anunciado, é o monge que cobre-se com uma manta vermelha mui perceptível, e que caminha numa velocidade que requer uma intensa capacidade de concentração. Suas aparições originam composições fotográficas fascinantes, como aquela em que ele passa por diante das letras compostas por arco-íris psicodélicos, pintadas nos portões fechados de algum estabelecimento, e que formam  a palavra "LOVE" ("amor"). Noutros momentos, há curiosas intervenções do acaso, como quando uma pessoa com dificuldades de locomoção caminha ainda mais rápido que ele, ou quando, no meio de uma estação ferroviária, um transeunte, paralisado por algum tempo no cenário, chama a nossa atenção ocular, competindo com o protagonista inominado e silencioso. As seqüências em calçadas também são bastante interessantes, por conta do modo como as pessoas encaram o monge, que, em sua lentidão, atrapalha o tráfego delas.


O outro homem é interpretado por Anong Houngheuangsy, que já participara de um episódio anterior deste projeto ["Where" (2022)]. Aqui, ele deambula por templos religiosos - num deles, curiosamente, a palavra "heart" ("coração") está sintomaticamente dividida como "he/art" ("ele/arte"), quiçá metonimizando a vinculação desta obra à tônica da instalação artística -, por museus de artefatos asiáticos e por hotéis, onde, num quarto, cozinha a sua própria comida, algo recorrente na filmografia ming-lianguiana. Não há trilha musical (exceto pela canção que é executada para prenunciar o desfecho do filme) nem qualquer mote tramático: vemos apenas dois homens que andam pelos ambientes norte-americanos - entre eles, o famoso Lincoln Memorial. Tudo indica que este monge regressará em capítulos vindouros da cinessérie 'Walker'. Enquanto isso, agradamo-nos ritmicamente por aquilo que é mostrado nos filmes, mas sentimos falta das reflexões relacionais de outrora, conforme ocorreu no excelente "Dias" (2020), protagonizado pela mesma dupla de intérpretes do longa-metragem ora analisado. Tsai Ming-Liang segue absolutamente autoral em seu percurso directivo, eis uma certeza!



Wesley Pereira de Castro. 

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