sexta-feira, 15 de outubro de 2021

MOSTRA SP 2021: I COMETE - UM VERÃO NA CÓRSEGA (2021, de Pascal Tagnati)


Estruturalmente, esta obra possui vários pontos em comum com alguns filmes de Robert Guédiguian: muitos personagens numa mesma região, a ausência de um protagonista definido, situações sobremaneira dramáticas mas conduzidas de forma desdramatizada, trilha musical apenas diegética, sem algo que direcione a condução espectatorial... Vemos um grupo de pessoas interagindo num local famoso por suas belezas naturais e pelas riquezas acumuladas de alguns moradores. Demoramos a entender - quando conseguimos - as relações de parentesco e/ou afinidade existentes entre eles. Estranhamos os diálogos constantemente chulos, que acentuam o naturalismo da realização. Mas, mesmo assim, nem de longe funciona tão bem quanto em relação ao diretor cotejado: ao também ator Pascal Tagnati, falta pujança política, a escolha de um discurso direcionado a outrem. Ele apenas dispara ações inconseqüentes - muitas delas praticadas por crianças ou adolescentes. E daí?


O personagem com maior tempo em cena chama-se François-Régis (Jean-Christophe Folly) e, apesar de ser o único negro do local, não é hostilizado por conta disso. Pelo contrário, ouve calado as muitas manifestações racistas, homofóbicas, xenofóbicas e misóginas de seus amigos. Concorda com muitas delas, em verdade, principalmente quando, ao assumir-se burguês, alega que "seus peidos são mais cheirosos que os dos outros". Os dilemas recorrentes de seus convivas são banais. Exemplo: um deles morre de medo de ter um ataque cardíaco enquanto defeca; outro frustra-se ao constatar que os times de futebol europeu diferenciam-se pouco entre si atualmente; um terceiro passa quase todo o tempo chorando, provavelmente porque uma mulher o abandonou. E assim as subtramas paralelas avançam, por mais de duas horas!


Obviamente, o filme possui virtudes dignas de nota: a longa seqüência explícita em que Cindy (Maryse Miège) masturba-se num lago, diante do computador em que conversa com seu namorado à distância, é primorosa. Idem quanto aos dissabores românticos do jovem roqueiro Lisandru (Joseph Castelliti). Entretanto, é muito difícil acompanhar um enredo tão intencionalmente incoeso, sem que consigamos afeiçoar-nos aos personagens ou entender as suas motivações iracundas (vide o incêndio que mata um grupo de ovelhas). Talvez numa revisão, o filme seja mais interessante. Mas cadê motivação para conferi-lo novamente, depois do enfado inicial?! 


Wesley Pereira de Castro. 

 

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