sábado, 9 de outubro de 2021

Olhar de Cinema: O BOM CINEMA (2021, de Eugênio Puppo)


A despeito de suas qualidades específicas, os filmes de montagem trazem consigo um problema de direcionamento, visto que são destinados prioritariamente a quem já conhece o universo retratado. Neste sentido, há a tentação espectatorial de, nalgum momento, desvencilhar-se por alguns instantes do discurso que instaura a coesão entre os fragmentos e seqüências de obras alheias, a fim de tentar identificar os trechos selecionados. Num âmbito analítico, surge a questão da autoria: como reclassificar aquilo que, tendo sido realizado por outrem, ganha um significado completamente distinto na edição do responsável pela colagem? Questionamento muito abstrato, talvez?


Era difícil que este filme não funcionasse: conhecedor sagaz do movimento cinematográfico aqui abordado, Eugênio Puppo teve acesso a um material esplêndido, de modo que as costuras de cenas de filmes icônicos do Cinema Marginal, mediante os apontamentos condutivos de gênios como Carlos Reichenbach [1945-2012] ou Rogério Sganzerla [1946-2004], é exemplar. Inclusive, faz-se urgente uma correção nomenclatural: segundo aqueles que participaram diretamente, é recomendado que se diga "Cinema Pós-Novo" ao invés de "Marginal" - e arremata o diretor do primeiro episódio do amplamente revisitado "Audácia! A Fúria dos Desejos" (1970): "quem passou pela barra que foi 1968, não tinha como ter mais certeza de nada". O Cinema Pós-Novo, diferentemente do revolucionário movimento que o precedeu, centrava-se na dúvida, da esculhambação... E é isto que o documentário apresenta magistralmente!


Incluindo cenas de filmes tão variados quanto "O Bandido da Luz Vermelha" (1968, de Rogério Sganzerla), "Hitler IIIº Mundo" (1968, de José Agrippino de Paula) e "Zézero" (1974, de Ozualdo Candeias), este longa-metragem comprova a extrema validade do preceito docente personiano que Carlos Reichenbach considera seminal: "o maior mérito do cinema brasileiro é transformar a falta de condições em elemento de criação". Ainda aproveitando este depoente tão egrégio, seqüências de "Orgia ou o Homem que Deu Cria" (1970, de João Silvério Trevisan) surgem como apanágios sintéticos de um tipo de cinema que, em sua genialidade, evita tanto ser bom (no que tange aos cacoetes produtivos convencionais) quanto bom (no que diz respeito ao moralismo sugerido por alguns párocos da época). O Cinema Pós-Novo é ótimo, e esta liturgia de pura celebração fílmica faz jus ao superlativo! 


Wesley Pereira de Castro. 

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