Filme-painel calcado pelo realismo mágico, esta obra deixa as suas intenções explícitas logo na abertura: uma vendedora de churros com deficiência intelectual grava uma mensagem telefônica para si mesma, em que, com extrema sobriedade, adverte-a que "um forte clarão ocorrerá e mudará tudo". Os espectadores ficam na expectativa, mas o ritmo do filme é muito lento: somos apresentados aos moradores de um pequeno vilarejo no interior da Espanha, onde as mulheres esforçam-se para libertar-se de suas rotinas aprisionantes. Recorrem à magia de que se serviam na infância e, como tal, são incompreendidas por seus parceiros e convivas. Antes as orgias aos suicídios!
Se a vendedora de churros é comumente assediada pelos homens bêbados da região, a despeito de seus problemas de comunicação, outra personagem foge de casa, a fim de libertar-se de seu esposo monotonamente opressor: numa cena mui inusitada, ela pede que ele lamba os fachos luminosos emitidos por um candelabro no quarto. "Tem sabor de quê?", pergunta ela. "De laranja", responde ele, enquanto adormece. Restará ao mesmo o desespero de ser entrevistado num programa sensacionalista de TV, onde suplica que sua amada retorne. O braço quebrado por causa da mesa que quebrou ao encontrar a sua carta de despedida demonstra que ela tinha razão em partir...
Se os eventos desenvolvem-se de maneira mui plácida - e balizada pelas procissões e artefatos religiosos - a trilha musical utiliza efeitos eletrônicos e ruídos estranhos para acentuar que algo inusitado pode ocorrer a qualquer momento. E ocorre, de fato, mesmo que nem sempre vejamos. No instante mais explícito de imersão lisérgico-enfeitiçador, um grupo de senhoras refinadas experimentam um doce exótico de leite de cabra com mel e entregam-se a um sabá lésbico mui prazenteiro. O clarão transformador é a própria luz da tela, onde o filme está sendo projetado!
Wesley Pereira de Castro.
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