O caráter de fábula invertida deste filme requer alguma compreensão, por parte do espectador, em relação aos conflitos que ocorreram nos países da antiga ex-Iugoslávia, no sentido de que os diálogos gritados entre os personagens parecem derivados das traumáticas guerras civis da região balcânica. A origem conturbada da esposa do protagonista, Ika (Tihana Lazovic), que é cristã e está vinculada a uma conformação político-nacional oposta à de Matija (Kresimir Mikic), reforça este indício. O que fica ainda mais acentuado quando homônimos de seu marido passam a chegar ao local onde eles vivem, com a intenção de usurparem a sua residência. O roteiro não explica em minúcias a razão dessa rapacidade anunciada: cabe ao espectador interpretar!
Malgrado iniciar com uma seqüência de sexo consensual entre o casal protagonista, as tensões familiares são logo estabelecidas: a adolescente Kaja (Lara Vladovic) observa os pais transando e chama seu irmãozinho Nikola (Max Kleoncic) para que ele também assista ao coito. Quando sai de casa para respirar, Matija percebe que a sua propriedade está sendo invadida: alguém que alega possuir o mesmo nome que o seu constrói uma casa ao lado da sua. Em breve, ele exigirá também a sua família. E não será o único. Por quê? Mais uma vez, a História explica...
Situada no ano 2021 (posterior à época de seu lançamento oficial, portanto), a trama deste filme instaura um perene clima de suspense, com traços de ficção científica: Matija trabalha como consertador de antenas, e é responsável pela programação musical que é executada nos aparelhos radiofônicos locais. Sua filha gosta muito de dançar, da mesma maneira que os jovens simpatizantes do fascismo que ela encontra numa 'rave' homicida. Há um membro desaparecido na família e uma constante troca de acusações entre Matija e Ika. O ritmo sobremaneira lento do filme retroalimenta a angústia, no que tange à falta de explicações sobre a violência iminente. Na letra da recorrente canção "Ako Je", da banda Pridjevi, a pergunta-chave: "se a vida é um sonho, quem de nós sonha com isso?". Encontramos uma resposta possível - ainda prestando atenção à letra - nos comportamentos controladores de Kaja, que carrega seus fones de ouvido para todos os lugares, enquanto sua mãe é tachada de descrente: "talvez eu seja um deus, eu tenho que ser um deus". Ao final, o medo permanece: nos olhares de quem foge, o desespero - e também resquícios de ódio!
Wesley Pereira de Castro.
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