terça-feira, 26 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: LISTEN (2020, de Ana Rocha de Sousa)


Num primeiro momento, tem-se a tentação de comparar este filme com o já clássico "Ossos" (1997, de Pedro Costa), por causa das sinopses semelhantes e do enfoque nas questões (des)empregatícias. O olhar da diretora estreante em longas-metragens é bem menos sisudo, entretanto. Chega mesmo a flertar com os filmes hollywoodianos de tribunal, ao fazer-nos torcer para que a abnegada Bela (Lúcia Moniz) obtenha êxito nas declarações públicas de que seus filhos "não estão à venda". Apesar de sua simplicidade e da curta duração, o filme evita as soluções fáceis: no desfecho, o que vemos é uma porta recém-fechada.


O título original em inglês é multiplamente oportuno, pois, além de estarem na Inglaterra, o casal protagonista esforça-se para ser ouvido, ou seja, para que as suas reivindicações afetivas sejam compreendidas por um sistema burocrático que gaba-se da extrema pontualidade mas não hesita em pagar pessoas para que adotem os filhos de outras. A energia compreensivamente agressiva que Bela demonstra nas cenas em que enfrenta a rigidez das autoridades britânicas agiliza o processo de identificação emocional do espectador, mas é a garotinha Lu (Maisie Sly) quem cativa de imediato o nosso apreço. Afinal, cabe a ela o significado mais urgente do título. Deficiente auditiva após um contágio de meningite pelo qual seus pais são injustamente responsabilizados, ela reensina-nos a ver: enquanto a mãe desespera-se entre pequenos frutos e a rotina puxada como diarista, ela olha para o céu e faz uso de uma percuciente sensibilidade no modo como focaliza aquilo que lhe faz bem...



A trilha musical de Bernardo Bento é impregnada de ternura, o que manifesta-se também na belíssima canção dos créditos finais ["Hold my Hand", cantada por Nessi Gomes], que permanece muito tempo afagando-nos após a sessão. A montagem é um tanto abrupta no modo como acompanha, de maneira eventualmente distanciada, os recursos advocatícios de que Bela e seu acabrunhado marido valem-se para rever os filhos. Há algo de protocolar no desenvolvimento fílmico, como se ele obedecesse narrativamente a convenções melodramáticas dominantes. Mas tudo isso é justificado pela relevância social do enredo, que é assaz gracioso e pertinente, além de relacionado ao grande júbilo que a diretora sente por também ser mãe! 



Wesley Pereira de Castro. 

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