domingo, 31 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: MADALENA (2021, de Madiano Marcheti)


O surpreendente desfecho em aberto deste filme vem acompanhado de uma triste constatação noticiosa, que poderia estar no início ou atrelada à campanha publicitária do filme: "o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo". Isso explica muito acerca do que acontece no filme, mas não exatamente o que acontece no enredo: caberá ao espectador completar as lacunas tramáticas. Ao invés da teleologia narrativa, o diretor oferta-nos a realidade enquanto algo rizomático, o que ocorre também através da multiplicidade de gêneros cinematográficos com que o roteiro flerta.


Oficialmente, pode-se dizer que o filme possui três episódios específicos - ao mesmo tempo, isolados e interdependentes entre si, com sutis elipses temporais de um para o outro: começa-se com um drama, avança-se pelo suspense e termina nalgo semelhante à aventura de amadurecimento, havendo elementos críticos de ficção científica em cada um deles, visto que o ambiente rural em que as situações ocorrem é permeado por muitas anedotas envolvendo OVNIs. Além disso, os instrumentos e veículos que são notados na fazenda denota o uso de altíssima tecnologia agrícola: os coletores são imensos artefatos robóticos, há drones vasculhando toda a plantação e até mesmo os narguilês que Cristiano (Rafael de Bona) fuma são eletrônicos e luminosos. Nada é por acaso, afinal!


As excelentes interpretações impressionam pelo modo como delimitam as relações interpessoais em cada uma das tramas: no primeiro caso, Luziane (Natália Mazarim) é responsável pela manutenção dos cuidados familiares e pelas reflexões proletárias; no segundo, o supracitado Cristiano surge como metonímia juvenil da corrupção característica de quem é classistamente bem-sucedido; e, por fim, Bianca (Pâmela Yulle) instaura um pouco de leveza e esperança ao núcleo social diretamente afetado pela lamentável estatística que é reproduzida no letreiro final. Junto às suas amigas, ela sorri. Briga, às vezes, mas logo faz as pazes, numa desenvoltura emocional distinta dos episódios anteriores. Ainda que onipresente, Madalena não aparece: sabemos que ela está morta. Não sabemos em quais condições isso ocorreu - mas, sem dúvida, foi através da mais imperdoável e naturalizada das violências! 



Wesley Pereira de Castro. 


Nenhum comentário: