sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: REGRESSO A REIMS (FRAGMENTOS) (2021, de Jean-Gabriel Périot)


Para que este documentário seja devidamente assimilado e compreendido, algumas informações precisam ser conhecidas previamente pelo espectador: além de saber que o que está sendo analisado é o panorama político-partidário francês, há inúmeros atravessamentos reivindicativos em pauta, no afã pela conquista de "uma sociedade justa, ecológica e durável", conforme apregoa uma militante, próximo do final. Tanto o diretor quanto o autor do livro homônimo no qual esta obra é baseada são homossexuais assumidos e combativos, assim como a narradora Adèle Haenel - e isso é muito importante para que entendamos as imbricações fundamentais entre vida privada e vida pública que o texto lido traz à tona. Política, afinal, tem a ver com tudo o que fazemos, inclusive na intimidade! 


O filósofo que escreveu o livro-base é especializado nas abordagens foucaultianas, não sendo casual que as reflexões sobre "a dominação masculina" surjam de maneira tão pungente em seu relato autobiográfico: evadido de sua residência por causa da inaceitação paterna de sua homossexualidade, Didier Eribon esforça-se para compreender como sua mãe, apesar de oprimida pela lógica da dupla jornada de trabalho, cedeu à homofobia e ao racismo. Interpretado vocalmente pela atriz supracitada, Didier investiga o poder discursivo de penetração da extrema-direita a partir da manutenção dos temores proletários: sua família era muito pobre e, como ele mesmo destaca, enfrentou as agruras do pós-guerra, cujas cobranças foram muito mais violentas para as mulheres julgadas por seus comportamentos sexuais "colaborativos". Trata-se de uma análise nacional muito específica, mas que, obviamente, pode ser estendida para diversas sociedades. Ideologicamente, os recursos de soberania assimétrica são muito semelhantes... 


Dividido em dois grandes movimentos e um epílogo, este documentário serve-se de amplo material cinematográfico no primeiro caso e de vasta pesquisa telejornalística no segundo, concluindo com um segmento mais atuante, em que os posicionamentos políticos requerem que seus agentes deixem de ser apenas espectadores e tornem-se propriamente atores. Escritor, narradora e cineasta - simbioticamente conjugados - notam a penetração de contradições sexistas e racistas nos pronunciamentos de oradores de esquerda e lamentam que isso tenha desencadeado programas governamentais cada vez mais restritivos e menos conscientes da etimologia da palavra 'democracia'. Utilizando imagens de filmes produzidos por realizadores tão diversos como Dimitri Kirsanoff, Jean Vigo, Germaine Dulac, Maurice Pialat e Jean-Luc Godard, o diretor monta uma diacronia de eventos que desemboca no processo em curso da contemporaneidade. Trata-se de um manifesto fílmico que requer continuidade por parte da audiência, sob a forma de um prolongamento operacional com vieses sociológico, bibliográfico e cinefílico acerca do que é apresentado. Amar é um verbo que se conjuga na prática: eis o que o filme grita impetuosamente em seus interstícios autorais!


Wesley Pereira de Castro. 

Nenhum comentário: