domingo, 31 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: O JOELHO DE AHED (2021, de Nadav Lapid)


Mergulhar neste filme não é tarefa fácil: o protagonista age de maneira muito inconstante, os movimentos de câmera oscilam entre a hiperatividade e a esquizofrenia, e quase todos os personagens encontram-se ameaçados pelo lastro da decadência. A montagem é rápida e os diálogos são agressivos: como bem notaram alguns críticos, os diretores - tanto o do filme quanto o que aparece no filme , caso um não represente o outro - sentem muita raiva, e isso culmina na cena-chave em que Y (Avshallom Pollak) e Yahalom (Nur Fibak) conversam num deserto, concordando que, em Israel, "o Ministério das Artes não gosta de arte e o Governo não suporta a beleza humana". É um filme-denúncia, que conta uma história muito mais discernível que a do trabalho anterior do cineasta, o devastador "Sinônimos" (2019). 


Em ambos os filmes, ainda que radicalmente distintos, Nadav Lapid inclui memórias traumáticas do passado militar de seus protagonistas: aqui, Y recorda emocionado o instante em que a sua tropa foi obrigada a tomar comprimidos de arsênico - sem que soubessem que estes eram falsos - quando receberam a notícia de que as tropas sírias estavam aproximando-se. Ostensivamente iracundo, Y realiza filmes que são premiados em festivais internacionais, mas, nos debates sobre eles, apressa-se em dizer que não possui respostas acerca do que faz. Em Israel, ele é uma ameaça: a classificação etária de suas obras é mais severa que noutros países e ele é obrigado a preencher uma série de documentos que autorizam a censura estatal nas sessões de que participa. É isso ou o banimento. E ele sente muita raiva!


Este sentimento iracundo manifesta-se internamente nos ângulos inusitados de câmera e na recorrente utilização de canções de protesto como válvulas de escape: numa das cenas iniciais, num teste para o projeto de filme dentro do filme - que explica o estranho título da obra - uma atriz canta "Welcome to the Jungle", da banda Guns N' Roses. Noutra situação, soldados dançam empunhando metralhadoras, inclusive apontando entre si, de maneira intimidadora. As pessoas com quem Y interage através de seu telefone celular padecem dos mais diversos problemas: sua mãe está com câncer e a jornalista com quem desabafa está num complicado processo de divórcio. Ao final, num dos áudios que ele envia, a pergunta é direcionada a nós: "tu és suficientemente forte para resistir?". Enfrentar este filme até o final serve como reação pragmática: é necessário evadir-se para sobreviver de maneira atuante. Um petardo magistral! 



Wesley Pereira de Castro. 

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