quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: PEGANDO A ESTRADA (2021, de Panah Panahi)


 Na seqüência de abertura, um garotinho toca piano nas teclas desenhadas no gesso que recobre a perna de seu pai: enquanto ele dedilha a figura, ouvimos os acordes. Com isso, fica estabelecido, desde o começo, que o diretor segue um caminho completamente distinto de seu pai, Jafar Panahi, apesar de ter realizado a montagem de "3 Faces" (2018). Se o pai é um hábil desenvolvedor da 'mise-en-abyme' no contexto metalingüístico persa, o filho assume o percurso lúdico. Tanto que, num dos diálogos deste filme mais recente, a mãe (Pantea Panahiha) pergunta ao seu filho mais velho qual o filme favorito dele. A resposta: "2001: Uma Odisséia no Espaço" (1968, de Stanley Kubrick) - e ele faz questão de descrever a meia-hora final da obra. A mãe começa a rezar. Mais à frente, o pai e o irmão mais novo deste rapaz cinéfilo mergulharão numa espécie de viagem interestelar, em pleno deserto... 


Apesar de ser magistralmente fotografado e de as comparações familiares serem desnecessárias, há algo confuso no desenvolvimento do roteiro: não compreendemos devidamente as situações - o que é muito comum no cinema iraniano - e lidamos com um entrecho inequivocamente ficcional, quase uma comédia familiar, com muitos xingamentos e reconciliações. O irmão mais velho (Amin Simiar) está prestes a fugir do país e está chateado por causa disso. Sua mãe sente falta antes mesmo que ele se vá, enquanto o pai (Hasan Majuni) comporta-se de maneira rabugenta durante a viagem. O irmão mais novo (Rayan Sarlak) é hiperativo, e não sabe que seu cachorro está doente. Quando os sentimentos afloram, as canções típicas ajudam os personagens a se expressarem!


Ao contrário da maioria dos cineastas de seu país, esse diretor estreante não obtém tanta dramaticidade dos encontros casuais - vide o diálogo pouco inspirado com um ciclista trapaceiro que o veículo da família atropela - mas o roteiro mostra aspectos mui definidores da contemporaneidade: são muitas as referências estrangeiras comentadas pelos personagens. O ciclista é fã de Lance Armstrong, a despeito das acusações de 'doping' que pesaram sobre ele, enquanto o garotinho é obcecado pelo Batman. Se nem todas as seqüências são efetivas na transmissão da emotividade, os dois números musicais contíguos que encerram o filme (um, muito alegre; outro, sobremaneira triste) merecem aplausos de pé. O filho ousa seguir seu próprio caminho, malgrado o sobrenome tão famoso e atrelado a expectativas de genialidade. Desengonçadamente, ele consegue! 


Wesley Pereira de Castro. 

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