Baseado no romance de conotação erótica "True Things About Me", da autora galesa Deborah Kay Davies, este filme assume uma perspectiva equivocada logo no início: ao apresentar a protagonista Kate (Ruth Wilson) como uma funcionária relapsa e masturbadora compulsiva, o roteiro parece julgá-la (e puni-la previamente) através da maneira excessivamente pudica com que os corpos são filmados durante os coitos. O fato de ser dirigido por uma mulher justifica a cautela na exposição da nudez, evitando uma perspectiva fetichizada da sexualidade, mas a trama exige maior cumplicidade entre os seres e seus respectivos entrelaces sexuais: não há autenticidade no modo como são apresentadas as abundantes cenas lascivas, o que acentua a guinada psicótica da segunda metade do filme...
Repetindo a mesma composição vilanaz - porém sedutora - que adotou em "The Souvenir" (2019, de Joanna Hogg), a ponto de parecer um decalque piorado, Tom Burke intimida desde a primeira aparição, tornando previsível a condução dos eventos. O que não desemboca na inverossimilhança, ao menos: sabemos o quanto histórias similares ocorrem diuturnamente, engendrando resultados bem menos emancipatórios do que aquele que é prometido no desfecho. É como se, após perceber que está aprisionada num relacionamento abusivo (ainda que sem violência física), como sua melhor amiga esforçava-se para lhe demonstrar, a personagem principal transmitisse um recado para quem identificou-se inicialmente com a sua carência afetiva: como dizem os chavões psicanalíticos vendidos aos borbotões hoje em dia, saúde mental é uma prioridade!
Costurando uma seqüência de situações caricatas, seja no que diz respeito à perseguição da funcionária por seu chefe antipático seja no que tange às acusações de "tarada" que ela ouve de paqueradores eventuais, o enredo deste filme dissipa um pouco de sua caretice após a demissão de Kate, de modo que o que ocorre na Espanha possui validade em sua exortação feminista (dançar daquela maneira ao som de "Rid of Me", de PJ Harvey, é uma declaração de libertação per si!). Isso não impede que os problemas e decepções continuem em evidência: que não saibamos o nome do personagem masculino, por exemplo - sendo que Kate teve acesso a todos os seus dados pessoais, mas prefere salvar o contato meramente como "loiro" - é mais um indicativo de como a trama parece julgar a personagem através dos pesadelos que ela experimenta. Felizmente, foi possível para todos mudar de idéia. Quem sabe o livro não é melhor?
Wesley Pereira de Castro.
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