quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: COISAS VERDADEIRAS (2021, de Harry Wootliff)


Baseado no romance de conotação erótica "True Things About Me", da autora galesa Deborah Kay Davies, este filme assume uma perspectiva equivocada logo no início: ao apresentar a protagonista Kate (Ruth Wilson) como uma funcionária relapsa e masturbadora compulsiva, o roteiro parece julgá-la (e puni-la previamente) através da maneira excessivamente pudica com que os corpos são filmados durante os coitos. O fato de ser dirigido por uma mulher justifica a cautela na exposição da nudez, evitando uma perspectiva fetichizada da sexualidade, mas a trama exige maior cumplicidade entre os seres e seus respectivos entrelaces sexuais: não há autenticidade no modo como são apresentadas as abundantes cenas lascivas, o que acentua a guinada psicótica da segunda metade do filme... 


Repetindo a mesma composição vilanaz - porém sedutora - que adotou em "The Souvenir" (2019, de Joanna Hogg), a ponto de parecer um decalque piorado, Tom Burke intimida desde a primeira aparição, tornando previsível a condução dos eventos. O que não desemboca na inverossimilhança, ao menos: sabemos o quanto histórias similares ocorrem diuturnamente, engendrando resultados bem menos emancipatórios do que aquele que é prometido no desfecho. É como se, após perceber que está aprisionada num relacionamento abusivo (ainda que sem violência física), como sua melhor amiga esforçava-se para lhe demonstrar, a personagem principal transmitisse um recado para quem identificou-se inicialmente com a sua carência afetiva: como dizem os chavões psicanalíticos vendidos aos borbotões hoje em dia, saúde mental é uma prioridade!


Costurando uma seqüência de situações caricatas, seja no que diz respeito à perseguição da funcionária por seu chefe antipático seja no que tange às acusações de "tarada" que ela ouve de paqueradores eventuais, o enredo deste filme dissipa um pouco de sua caretice após a demissão de Kate, de modo que o que ocorre na Espanha possui validade em sua exortação feminista (dançar daquela maneira ao som de "Rid of Me", de PJ Harvey, é uma declaração de libertação per si!). Isso não impede que os problemas e decepções continuem em evidência: que não saibamos o nome do personagem masculino, por exemplo - sendo que Kate teve acesso a todos os seus dados pessoais, mas prefere salvar o contato meramente como "loiro" - é mais um indicativo de como a trama parece julgar a personagem através dos pesadelos que ela experimenta. Felizmente, foi possível para todos mudar de idéia. Quem sabe o livro não é melhor?


Wesley Pereira de Castro. 

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