Por um lado, é um consolo saber que estamos diante de uma obra de ficção; por outro, é aflitivo imaginar que pessoas vivam em condições tão rudes de miserabilidade. De acordo com as entrevistas, o roteiro é adaptado de uma experiência autobiográfica do realizador, que alterou alguns elementos de suas lembranças, a fim de aumentar o impacto de seu relato. O trabalho do elenco impressiona pelo extremo realismo: os olhares coléricos de Karuththadaiyaan (como o pai alcóolatra) são aterrorizantes e o desamparo transmitido pelo garoto Chellapandi é exemplar. Sobretudo porque ele é persistente na possibilidade de praticar o amor. As cenas de confronto físico impressionam pela agressividade súbita e pela naturalidade com que são esquecidas no percurso: ao final, quando o menino retira uma pedra de sua boca e a coloca numa pilha, em sua estante, sabemos que tudo aquilo aconteceu anteriormente - e vai acontecer de novo!
O realizador foi muito hábil ao evitar uma trilha musical condutiva, sob pena de incorrer numa espetacularização da crueza. O recurso à câmera lenta, na seqüência da garotinha brincando com as sementes, foi pontual e mui assertivo. A exposição não psicologizada das situações também foi um acerto: aquelas pessoas visam à sobrevivência, por mais dolorosa que esta seja. O jeito severo com que as pernas dos ratos são quebradas, com eles ainda vivos, antes de serem torrados num espeto, e a fila de mulheres que seguram pacientemente os seus baldes diante de um açude enlameado e ressequido são apenas alguns dos elementos que chocam o espectador pela brutalidade. Mas o diretor não busca escândalos catárticos: ele conta uma estória simples e recorrente, atravessada por inúmeras intersecções vitais. A câmera ora assume a visão subjetiva de algum personagem (geralmente, as crianças), ora registra objetivamente as pisadas brutas do protagonista. É realmente difícil reagir a este filme, mas o afã por aplaudi-lo é igualmente imediato!
Wesley Pereira de Castro.
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