terça-feira, 19 de outubro de 2021

Mostra SP: AZOR (2021, de Andreas Fontana)


Conforme alguns críticos notaram - de maneira mui perspicaz - este filme possui muitos traços que lembram as tramas de suspense político escritas por Graham Greene [1904-1991], sobretudo o seu roteiro para "O Terceiro Homem" (1949, de Carol Reed). O modo como o personagem ausente Keys é mencionado ao longo de toda a narrativa emula justamente o tipo oblíquo de crise de consciência que aflige os protagonistas, sendo que estes, ao constatarem a onipresença do Mal, sentem nojo, mas terminam sucumbindo ao que pensavam odiar. Neste sentido, apesar de ser um banqueiro - portanto, um continuador inato da malevolência que ele tanto teme - Yvan de Wiel (Fabrizio Rongione) esforça-se para manter ativos os seus procedimentos éticos, compartilhados com sua esposa Inés (Stéphanie Cléau): a fim de não se incomodar tanto com as conseqüências de seus atos empresariais, ele prefere não saber, o que é confirmado brilhantemente no diálogo em que descobrimos o que significa o título do filme... 



Passado no final de 1980, no auge da ditadura militar da Argentina, este filme é marcado pela abundância de pseudônimos, essenciais nos conluios institucionais atravessados pela corrupção. Tendo viajado para este país sul-americano a fim de atenuar os problemas desencadeados pelo desaparecimento repentino de um sócio, Yvan conversa com as pessoas mais poderosas de Buenos Aires, enquanto Inés, por ser mulher, é excluída das negociações. Mas é ela quem tudo decifra, inclusive o aflitivo desfecho - em sentido moral - que é batizado como "Lázaro", quinto e último capítulo do roteiro. Antes dele, temos "A Volta do Camelo", que versa sobre as transações bancárias substitutivas, e os segmentos auto-elucidativos "As Visitas", "O Duelo" e "A Festa". O desenho de som é primoroso, ao fazer-nos sempre desconfiar daquilo que ouvimos, mas que é propositalmente ignorado por outrem ou sobreposto por amenidades mal-intencionadas. Mesmo que não entendamos nada sobre os interstícios ideológicos das economias nacionais, a tensão é asfixiante! 


Logo no começo, exceto pelo susto que tomam ao flagrarem soldados revistando jovens nas ruas, o refinado casal de Wiel exclama: "parece que estamos na Europa". Não obstante escutarem de seus convivas que "estamos vivendo tempos horrorosos", eles freqüentam ambientes mui luxuosos, em que todos expressam-se muito bem em francês. Pouco a pouco, Inés vai descobrindo que os sumiços e cisões familiares não são nada casuais. E Yvan insiste em chafurdar no inferno das colaborações suspeitosas, em razão da perene comparação funcional com o supramencionado Keys. Até que tudo é explicitamente decifrado, de maneira dolorosamente climática para o espectador: trata-se de um conto intemporal sobre os tentáculos inebriantes da ganância de pessoas aparentemente ilibadas. A direção de arte é esplêndida! 



Wesley Pereira de Castro. 
 

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