quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Olhar de Cinema: ZINDER (2021, de Aïcha Macky)


Nos letreiros iniciais, a diretora assume uma postura emotiva diante de seu tema fílmico: declara-se "filha de Zinder", de modo que seu olhar sobre a criminalidade ubíqua na região titular não pode ser acusado de condescendente, pois ela tenta compreender a instituição da violência por dentro. De maneira enciclopédica, estes letreiros explicam que esta cidade é habitada sobretudo por párias e leprosos, de modo que o desemprego e a decorrente marginalização das pessoas surge como inevitáveis, lastros de um determinismo social que não exclui o lucro para exploradores forâneos. E, ao invés de criar provas que possam prejudicar ainda mais seus convivas, a cineasta esforça-se para compreender como algumas mazelas são perpetuadas... 


Deparamo-nos, de imediato, com uma seqüência chocante: dois negros musculosos, numa motocicleta, carregando orgulhosamente pelas ruas uma bandeira branca com pinturas de vários símbolos nazistas. Na cena seguinte, um destes homens - proprietário da Academia Hitler - explica o seu fascínio por "um norte-americano muito valente", cuja bravura o inspira. O que ele sabe sobre o Führer é completamente deturpado, e adequado às suas conveniências sobrevivenciais: este homem gosta de ser fotografado exibindo seus músculos e de ser filmado erguendo uma motocicleta com as mãos, com dois homens montados nela. Podemos culpá-lo por isso? 


Através de uma hábil narrativa docudramática, a diretora apresenta-nos a três situações concomitantes daquela região: a academia supracitada, cujos membros são continuamente presos, por causa de agressões, roubos e outros delitos; as rondas noturnas de um segurança através de um bairro destinado ao meretrício, onde entristece-se bastante ao perceber que garotas cada vez mais jovens estão se prostituindo; e a saga da contrabandista de gasolina Ramsés, que define-se como "meio-mulher, meio-homem". Nos interstícios, as atividades cansativas de homens que quebram pedras nas usinas de urânio que mantêm a pobreza interna da nação nigerense - em detrimento do enriquecimento internacional com a exploração desse minério - e a banalização da violência cotidiana, seja quando crianças são ouvidas trocando murros nas cercanias de um salão de cabeleireiro ou quando os membros da Academia Hitler assistem a um vídeo em que pessoas são apedrejadas até a morte por causa de conflitos étnicos, numa aldeia vizinha. 


Em meio a tudo isso, a diretora evita julgar (seqüencias de julgamento, ao invés disso, aparecem - num tribunal): ela prefere agradecer aos seus professores e mentores por ter conseguido realizar este contundente longa-metragem, "dedicado à juventude de seu país". Nos testemunhos em primeira pessoa, os homens vangloriam-se de suas cicatrizes, enquanto as mulheres lamentam as feridas ainda abertas. O filme é muito exitoso em sua proximidade expositiva, portanto - vide o relato árduo em que um estupro coletivo é descrito, seguido do modo como um desses estupradores foi reeducado por uma ONG humanitarista, e a transmissão de um debate radiofônico sobre as causas abundantes do contrabando de combustível na região. Por mais violento que o filme seja, Aïcha Macky consegue registrar a beleza das reabilitações! 


Wesley Pereira de Castro. 

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