quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: O COMPROMISSO DE HASAN (2021, de Semih Kaplanoglu)


Depois da sensível trilogia autobiográfica em que refletia sobre as lembranças infanto-juvenis associadas aos sabores e odores de ovo, leite e mel, o cineasta Semih Kaplanoglu parte para uma jornada audaciosa, em que questiona a progressiva instalação do Capitalismo em seu país a partir de uma premissa religiosa, no sentido mais social do termo. Como é freqüente no cinema turco contemporâneo, esse questionamento acontece através de um dilema pessoal que se ramifica em diversos outros problemas. Afinal, cada pessoa tem as suas agruras individuais: seja o garotinho que tenta pegar uma bola colorida que caiu atrás de um vão, seja a dona de casa que não consegue encontrar o seu gato castrado, passando pela esposa fiel que lida com a degeneração mnemônica de seu marido, que foi alvo de uma disputa judicial que lhe pareceu sobremaneira injusta... 



O protagonista do filme, Hasan (Umut Karadag), é um agricultor de tomates e maçãs que, numa determinada manhã, descobre que a companhia elétrica da região planeja instalar uma torre de alta voltagem no meio de sua plantação. Ele tenta convencer o funcionário a fazer um pequeno desvio, mas este recusa, exigindo que ele mergulhe numa via-crúcis burocrática, afinal facilitada pela habilidade de Hasan na concessão de uma oportuna troca de favores: leva algumas mudas de cerejeira para um juiz que ajudou-lhe numa contenda anterior, de modo que obtêm êxito em sua simples requisição. Entretanto, novas indagações morais serão cotejadas a partir do momento em que Hasan e sua esposa são contemplados no sorteio institucional de uma peregrinação à cidade de Meca: ambos são confrontados pela obrigação instituída (ou seja, não voluntária) de libertar-se de pecados acumulados. E este é apenas o ponto de partida para uma série de reconciliações pretendidas... 


Um dos grandes méritos do diretor e roteirista é evitar converter seu personagem numa pessoa completamente ilibada: conseguimos simpatizar facilmente com ele e o consideramos uma boa pessoa, ainda que ele deixe entrever alguns estratagemas para beneficiar-se do desespero econômico de outrem. Não obstante o registro fílmico ser amplamente realista, com uma direção de fotografia que extrai toda a poesia da vegetação local (inclusive, quando devastada por uma noção forânea de progresso), há instantes de sutileza onírica que metaforizam as culpas de Hasan. Vide o momento em que uma árvore sobrevoa sua cabeça ou as frutas que são atiradas com violência quando ele passeia por seu pomar. Nalguns momentos, o filme parece emular "O Espelho" (1975, de Andrei Tarkovski), numa perspectiva atualizada: aqui, as relações interpessoais são inevitavelmente determinadas pelas movimentações monetárias, o que é tão triste quanto verossímil. No desfecho, resta-nos chorar ao lado do protagonista!


Wesley Pereira de Castro. 

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