sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: O ATLAS DOS PÁSSAROS (2021, de Olmo Omerzu)


No início, o filme parece um drama corporativo tradicional: um rico empresário passa mal durante uma reunião, ao saber do acúmulo de uma dívida que pensava quitada. Sua contadora precisa tirar férias emergenciais e, no hospital, ao mexerem em seu telefone celular, os filhos do enfermo descobrem que ele foi infiel à sua esposa, nomeando as suas amantes com apelidos de pássaros. A partir desse pressuposto, já teríamos uma obra assaz contundente, sobre os tormentos normalizados como "efeitos colaterais da riqueza" - que são ignorados até que algo muito grave aconteça. Numa brilhante culminação tramática, as descobertas são bem mais chocantes do que pareciam. E, assim, o roteiro opta por uma guinada melodramática que é, no mínimo, surpreendente!


Enquanto arruma-se para exigir que seus médicos dêem-lhe alta hospitalar, ostensivamente precipitada, o bem-sucedido porém solitário Ivo (Miroslav Donutil) não prestará atenção aos conselhos ornitológicos que recebe, enquanto a sua abnegada funcionária Marie (Alena Mihulová) viaja com seu cachorrinho. Uma situação tão decepcionante quanto inusitada justificará o reencontro entre ambos, ao passo que o enredo vai desvelando uma série de intrigas típicas do cotidiano dos poderosos, que, como bem dizem os pássaros, "sentem prazer às custas das lágrimas dos pobres"... 


Os diálogos legendados dos passarinhos não se resumem às frases de efeito e aos conselhos de auto-ajuda que são colados no quarto de Marie: eles conversam sobre o derretimento das calotas polares, sobre as fusões econômicas internacionais e sobre o destino dos personagens. A direção opta por uma encenação realista, de maneira que o desfecho num tribunal assume um cariz quase novelesco, com direito a um inusitado fechamento de íris. As interpretações são ótimas e o que acontece na tela é uma potente metonímia de circunstâncias similares, diuturnamente noticiadas nos jornais sensacionalistas. Para o realizador, a vida real é uma amarga tragicomédia! 



Wesley Pereira de Castro. 

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