Adotando uma tensão monocórdia entre os personagens - inclusive no segmento que envolve uma bruta aproximação sexual entre um usuário de cocaína (Péter Fancsikai) e a esposa de seu pai moribundo, que é interpretado pelo músico habitual dos filmes de Béla Tarr, Mihály Víg -, o diretor surpreende-nos com os estrondos vocais que ocorrem na quinta seção, em que um garoto ateu (vivido pelo filho do diretor, János Fliegauf) é confrontado por sua mãe fanaticamente cristã quando ele pede para dormir na casa de um amigo, onde pretendia participar de um jogo de representação. A mãe não aceita que o garoto demonstre interesse por seres mitológicos e fantásticos, ao que o menino rebate com um argumento genial: "Deus é um assassino tão sanguinário quanto Adolf Hitler ou Mao Tsé-Tung. A diferença é que ele não existe"!
Dentre os episódios dramáticos, o segundo (sobre uma mulher ciumenta que não aceita que seu namorado visite uma ex-amante) e o terceiro (sobre um casal que não consegue superar a falta de filhos) são os menos inspirados, no sentido de que perpetuam um tipo de contenda prioritariamente vinculado aos ressentimentos pequeno-burgueses, mas, daí por diante, o filme prossegue num crescendo de emoções, culminando no flagrante de um homicídio contratual por uma criança e na abertura de uma porta, onde o sobejo de luz que invade o ambiente propõe uma reconciliação benfazeja entre pessoas de diferentes gerações, antecipando a versão 'indie' de uma canção da banda The Cure que é executada nos créditos finais. O estranhamento intenso que o filme causa ao longo de sua duração é gradualmente sedimentado nas memórias espectatoriais, de modo que o subtítulo passa a fazer pleno sentido: como esquecer aquelas pessoas amarguradas depois de tudo o que testemunhamos?!
Wesley Pereira de Castro.
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