quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Mostra SP 2021: NO TÁXI DO JACK (2021, de Susana Nobre)


Através de uma filmografia que compartilha com Ken Loach a recorrência temática pelas questões (des)empregatícias e pelas menções ao abandono sindical, a diretora lusitana Susana Nobre também possui outro relevante aspecto em comum com o cineasta britânico: a persistência humanista, no acompanhamento dos dilemas cotidianos de seus personagens. Neste seu mais recente trabalho, a diretora ouve os relatos saudosistas de Joaquim Veríssimo Calçada, motorista de 63 anos que esforça-se para conseguir a sua aposentadoria. Tendo emigrado de Portugal para os Estados Unidos na década de 1960, em razão das dificuldades nacionais vivenciadas durante a ditadura salazarista, este personagem - que é um trabalhador real - reflete acerca das semelhanças e dissidências entre aquilo que testemunhou na "esquina do mundo", onde trabalhou como chofer de limusines, e o que observa em seu país-natal, na conjuntura democrática atual... 



Filmado entre os meses de março e maio de 2019, este filme apresenta-nos a uma figura de fala doce e comportamentos educados, que utiliza um penteado à la Elvis Presley e que pode imitar facilmente um gângster, como percebemos na seqüência que reconstitui o momento em que ele precisou cobrar uma dívida a um amigo endividado. Guardando boas lembranças da época em que fôra contratado nos EUA - chegando a gabar-se de ter dirigido para a ex-primeira-dama Jacqueline Kennedy Onassis [1929-1994] e para o pugilista Muhammad Ali [1942-2016] - ele ainda esforça-se para manter seu aprendizado das conjugações verbais em inglês, o que depende da conversação com outras pessoas. Paga alguém para interagir consigo neste idioma, mas seu melhor amigo fala apenas português e não enxerga, cabendo a Joaquim algumas descrições do mundo que os rodeia. Mesmo em seus instantes mais efetivamente documentais, as narrativas ficcionais insurgem-se, por conseguinte. 


Na seqüência de abertura, a própria diretora interpreta uma agente de empregos que trata Joaquim com o desdém típico dos agentes burocráticos. Ele, porém, não perde o bom humor: trata a todos com bonomia, sobretudo a sua esposa, Maria, para quem narra os encontros diários, antes de dormir. É um filme curto (apenas 70 minutos de duração) e permeado pela musicalidade advinda dos bares e restaurantes que Joaquim freqüenta. Não há grandes ações nem clímaces dramáticos. Apenas um relato humano, igual a tantos no mundo. Mas que funciona muito bem no cotejo com outras obras e na exortação ao reconhecimento dos direitos civis e trabalhistas. Adequadíssimo para os fãs de Ken Loach, portanto! 


Wesçey Pereira de Castro. 

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